INTERVIEW MAGZINE A primeira vez que conectamos Shailene Woodley e Sebastian Stan por telefone, a idéia era passar pela conversa obrigatória de quarentena antes de prosseguir para a discussão de seu novo filme, o drama romântico “Endings, Beginnings”. Trinta minutos, no máximo. Em vez disso, os dois atores gastaram quase duas horas de bate-papo sem esforço, com Stan no papel de entrevistador, falando sobre suas infâncias, a prazerosa tarefa de fazer filmes, e como a humanidade poderia ficar após o coronavírus. Então, graças a uma tempestade de erros humano e dificuldades técnicas, a ligação não foi registrada. Mas, em vez de sofrer pela perda, Woodley e Stan concordaram em telefonar uma semana depois para fazer tudo de novo. E eles falaram como se não falassem há meses.

Os dois se conheceram no apartamento de Drake Doremus, em Los Angeles, que dirigiu Endings, Beginnings, um filme turbulento sobre uma mulher (Woodley), dividida entre dois amigos, interpretados por Stan e Jamie Dornan. Doremus, conhecido por fazer dramas desconfortavelmente reais com uma técnica que depende muito da improvisação, incentiva a extrema vulnerabilidade de seus atores, que é o que ele fez no primeiro dia em seu apartamento. O que poderia ter sido um dia estranho de ensaios, em vez disso, acarretou em uma verdadeira amizade. “Nós dois temos posições e crenças muito semelhantes quando se trata de conexão”, disse Woodley. “Portanto, não foi algo forçado, foi muito natural.” Woodley e Stan claramente podiam conversar por horas, e conversaram.

SEBASTIAN STAN: Como vai, Shailene?

SHAILENE WOODLEY: Eu não sei dizer. Está tudo bem dormir o tanto que estou dormindo? Alguns dias me sinto incrível e outros dias como meio litro de sorvete e fico confusa. Estou realmente colocando em prática o “tudo bem não estar bem”.

STAN: Estou com você. Todos os dias eu não tenho idéia de como me sinto quando vou dormir e se vou acordar motivado ou estranhamente cansado e meio assustado.

WOODLEY: De manhã, quando você acorda e não se sente motivado, o que você faz?

STAN: Eu preciso de rotina. Todos os dias, tento fazer uma coisa produtiva, seja lendo um livro ou escrevendo.

WOODLEY: Você considera produtivo ler um livro?

STAN: Sim. Desde que eu não acorde e fique assistindo TV por quatro horas, acho que é uma vitória. Estou curioso sobre você, porque sei o quanto você está ocupada normalmente. Você está sempre por aí fazendo muitas coisas diferentes, sejam projetos ou outras causas que você apóia. Isso aqui é provavelmente o que eu faria de qualquer maneira se eu não estivesse trabalhando e tudo estivesse normal. Mas é estranho quando você não tem permissão para sair.

WOODLEY: Você se sente com 12 anos e seus pais estão dizendo para você fazer algo que não quer.

STAN: Qual foi a última vez que você abraçou alguém? Para mim já fazem sete semanas.

WOODLEY: Provavelmente para mim também faz isso. Pelo menos seis semanas.

STAN: Você acha que vai abraçar as pessoas assim que isso tudo for resolvido?

WOODLEY: Eu vou abraçar pessoas, eu vou beijar pessoas, eu vou dar toques de mão nas pessoas. Não há vírus que possa impedir isso. Mas tocando as mãos úmidas? Sem chance que depois dessa pandemia eu vou ficar de boa com essa merda.

STAN: Você para pra dançar durante o dia?

WOODLEY: Faço pausas para ficar de ponta-cabeça, com certeza. E estou tentando parar mais para dançar, porque isso me deixa feliz. Eu tenho essa voz na minha cabeça que está dando desculpas para não fazer coisas, o que é novo para mim.

STAN: Você está gostando de estar na natureza e isso é algo pacífico para você?

WOODLEY: Uma recarga imediata acontece. Faz muita diferença para o meu psicológico e meu espírito.

STAN: Eu sei como você é apaixonada pelo meio ambiente. O que desencadeou isso?

WOODLEY: Não sinto que teve um gatilho. Só me lembro de sentir que havia tanta injustiça em relação a essa coisa que rotulamos uma coisa que estava fora do nosso poder e, no entanto, era tão inerentemente uma parte nossa. Quando eu era mais jovem, reconheci que a maneira como tratamos um ao outro, com aversão e divisão, raiva e ganância, é a mesma maneira a qual tratamos nossa terra. E, no entanto, nos referimos à natureza como algo que está fora da gente. Tudo se resume ao simples fato de que, sem prosperidade na Terra, os humanos não prosperam. Nunca foi sobre salvar o planeta para mim, é sobre tentar preservar a humanidade. Acredito que a Terra ficará bem e que ela irá se recuperar, ela pode não parecer igual como está agora, mas sobreviverá a quaisquer circunstâncias que forem postas sobre ela. Mas nós não vamos.

STAN: Você acha que vamos sair dessa coisa um pouco mais agradecidos pelo que não damos valor? Fico preocupado que nós iremos apenas esquecer de tudo e voltar ao que era antes.

WOODLEY: O verdadeiro teste é o jeito como estamos usando o nosso tempo. Se não estamos trabalhando em nós mesmos e lidando com as coisas que nos causam sofrimento por dentro, acho que nada vai mudar. É a idéia de um efeito cascata, em que você joga uma pedra e as ondulações saem. Se você não estiver prestando atenção na pedra da primeira vez, nada ao redor dela vai mudar. Espero que o que essa pandemia traga seja um maior senso de adoração individual e amor e respeito individuais. É uma coisa difícil de pedir para as pessoas, porque há muita coisa que ainda são desconhecidas para nós. Mas se realmente usarmos esse tempo para olhar para dentro, em vez de focarmos tanto no externo, acho que temos uma boa chance de sair dessa situação com uma nova narrativa.

STAN: Isso me lembra o programa que sua mãe iniciou, All It Takes. Quando está falando dessas coisas, você sente que muito disso veio da sua mãe?

WOODLEY: É um conjunto de coisas. Eu cresci com dois pais psicólogos e uma avó que era naturopata. A empatia foi condicionada em nós quando éramos crianças. E na maior parte dos meus 20 anos, vivi em todo lugar do mundo. Sempre que eu fazia um filme em algum lugar, eu ficava nele depois e conhecia mais daquela cultura. Ou se eu não estivesse fazendo nenhum filme, me mudava para um país estrangeiro. Você aprende sobre aquela cultura, mas o que realmente aprende é sobre de onde você veio. Isso cria um espelho de como você cresceu e o que sua sociedade fornece, e as coisas dela que talvez sejam negativas. Acho que ter essas outras perspectivas realmente me ajudaram a moldar minha própria visão do mundo. Além disso, quem que quer ver alguém sofrendo?

STAN: Mas fazemos isso o tempo todo. Seres humanos são muito bons em fazer o outro sofrer.

WOODLEY: Porque essas próprias pessoas estão sofrendo. Não acredito que alguém seja um valentão apenas por que quer ser um valentão. Eles estão sendo intimidados, seja por sua própria voz interna ou por um fator externo. Existe uma diferença entre agradar as pessoas e querer que todos gostem de você. Durante grande parte da minha vida, vivi dessa perspectiva, de querer e ganhar validação dos outros. Por natureza, isso faz de você uma pessoa mais gentil, porque você está tentando conquistar todos. Não é necessariamente um hábito saudável. Agora eu sou mais essa pessoa de, se não estou exercendo amor, respeito, orgulho e confiança para mim mesma, não tenho como fazer qualquer coisa por este planeta, seja pela Terra ou pelas pessoas ao meu redor. . Essa é uma das minhas dúvidas com o ativismo, com a esquerda e o lado progressista. Provavelmente vou ter problemas por falar isso, mas somos muito rápidos em apontar os dedos e negar responsabilidade, quando, na realidade, precisamos ser responsáveis ??por todas as escolhas, decisões e passos que dermos em nossas vidas, não importa o que aconteça à nossa volta. Se cada um não trabalhar em si mesmo primeiro, nada vai mudar. Com a esquerda progressista, há muito ego envolvido, dizendo: “Meu jeito é o jeito certo” e todos os outros jeitos estão errados. E isso não é verdade.

STAN: Eu sinto que também estamos sofrendo de uma saturação de informação. Há tantas notícias sendo jogadas em você constantemente que você não consegue acompanhar as coisas. Você precisa ser muito seletivo sobre elas estão vindo. Eu acho que isso está causando ansiedade. Você disse uma palavra-chave, que é humildade. É por isso que o fracasso é importante. Na cidade, ouço as sirenes a cada merda de hora e isso corta meu coração toda vez, mas, por mais terrível que seja, precisamos encontrar uma maneira de aprender com isso e ter humildade. Espero que a gente não desvalorize algumas coisas . Você estava dizendo antes que viajou bastante quando era criança, e eu também viajei muito. Você acha que isso contribuiu para você se tornar uma atriz?

WOODLEY: Na verdade, eu não viajei tanto quando criança. Foi mais nos meus 20 anos. Meu desejo de ser tão nômade veio de ser muitocuriosa. Quero saber tudo o que tiver para saber sobre a experiência humana. Quero provar tudo, cheirar tudo e ver tudo. Eu conheci tantas pessoas que nunca frequentaram uma escola pública comum, que viajaram com os pais a infância inteira, e há algo nessa experiência que sempre me intrigou mais do que o conforto da acumulação. Ficando em um só lugar, se torna fácil acumular e colocar os desejos materiais como sua prioridade número um. Eu queria ir contra isso. Eu queria me livrar de tudo o que eu possuía quando era adolescente. Eu queria viajar com uma mala de mão. Eu queria procurar um nível de profundidade que não conseguisse encontrar em objetos inanimados. Alguns atores assistem à muitos filmes e se inspiram nas performances de outros. Eu não cresci assistindo filmes e ainda vi muito poucos. A maneira como me inspiro é observando o mundo ao meu redor. É indo a novos lugares e vendo como pessoas diferentes usam as mãos para se expressar, talvez faça sons diferentes com a boca que nós não fazemos, ou observando os olhos de alguém quando você está em um trem e você pode dizer que aquela pessoa teve uma manhã difícil. Essas são todas as pequenas partes psicológicas que eu guardo na minha cabeça, para que, quando estou criando personagens, eu possa extrair coisas que vi na vida real.

STAN: Quando você decide trabalhar em alguma coisa, quais são as três coisas que são tudo ou nada?

WOODLEY: Nem sempre foi assim, mas agora são os atores, diretores e roteiristas. Dois desses três têm que ser nota 10. E eu sou tão abençoada por poder estar em uma posição onde posso dizer isso.

STAN: Eu sei que somos muito abençoados, mas você trabalhou duro. Não há problema em ter isso.

WOODLEY: Se estou lendo uma história e sinto borboletas no estômago, estou dentro. Se não, não estou. Houve algumas ocasiões em que surgiram oportunidades incríveis e eu não tive essa reação, e todos ao meu redor disseram: “Você precisa fazer esse filme, porque é esse diretor ou esse ator”. Mas eu não tive essa reação, então passei.

STAN: Você teve borboletas quando leu que poderia trabalhar com Jamie Dornan?

WOODLEY: E que eu poderia trabalhar com Sebastian Stan? E Lindsay Sloane? Vou mandar a real. Vi metade de “Cinquenta Tons de Cinza” e assisti “Eu, Tonya”, e esse foi o conhecimento que eu tive de você e Jamie como atores. Então, para mim, foi emocionante trabalhar com essas duas pessoas com quem eu não estava familiarizada. Isso me permitiu conhecer vocês por quem vocês eram, ao invés da ideia de que eu teria de vocês como atores.

STAN: Eu sei, estou apenas brincando. Você chegou bem atrasada. Eu tive uma ligação com Drake [Doremus] e ele me disse: “Ei, vamos tentar colocar a Shailene Woodley no papel principal.” E eu fiquei tipo, “Ai meu Deus, ela é incrível. Vá em frente.” Um ou dois dias depois, teve o “Sim” e, de repente, estávamos nos reunindo no apartamento dele em Los Angeles, e você e eu estávamos fazendo uma brincadeira de encarar um ao outro enquanto ele nos fazia perguntas pessoais sobre a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Você lembra daquilo?

WOODLEY: Eu nunca vou esquecer.

STAN: Você definitivamente era melhor em encarar do que eu.

WOODLEY: Eu fico louca com coisas assim. Adoro conexão e adoro ser colocada em situações desconfortáveis. Você e Jamie eram tão ousados ??em suas vulnerabilidades. É uma característica tão rara encontrar nas pessoas, até mesmo em atores. O ponto principal de ser ator é ser vulnerável, mas não consigo contar em quantos olhos de atores olhei e tudo que vi foi atuação. Eu não os vejo, o que às vezes é triste, porque não há nada real para se conectar. Então a oportunidade de se conectar profundamente e simplesmente mergulhar direto naquilo foi como um doce para mim. Foi tão gostoso.

STAN: Todo o aspecto improvisado daquilo era sobre sair das nossas zonas de conforto.

WOODLEY: Todo dia era um convite para revelar algo sobre você que você estava escondendo.

STAN: Isso é tão intenso.

WOODLEY: Eu tento relacionar isso à outras experiências da minha vida, até mesmo com os maiores amores e amizades que tive nela. Há uma profundidade que você ainda não necessariamente alcança que todos nós alcançamos juntos como estranhos, porque demos um salto cego de fé no desconhecido. Eu me lembro de dizer coisas e sentir coisas e fazer coisas sobre as quais eu seria censurada na minha vida real. Era mais fácil ficar vulnerável e jogar a cautela ao vento, e esse é o presente de Drake Doremus. Ele cria um ambiente para que possamos ir para uma terapia por 21 dias seguidos.

STAN: É isso que foi para você?

WOODLEY: Acho que quero dizer terapia no sentido de que geralmente me sinto mais vulnerável quando estou na terapia. Eu precisei de terapia depois o filme, para me recuperar dele. Mas durante o filme, parecia um playground. Todos os envolvidos estavam tão preocupados em realmente olhar nos olhos um do outro e cheirar o cheiro um do outro, e isso faz ou quebra um filme. Eu não acho que muitos atores estejam dispostos a fazer isso, ou foram ditos que eles teriam permissão para fazer isso.

STAN: O que você gostaria que as pessoas tirassem desse filme?

WOODLEY: Oh, porra. Eu não sei. Use camisinha. [Risos.] A melhor coisa que eu poderia tirar deste filme, como alguém que está assistindo, é a sensação de que estamos condicionados a procurar uma certa pessoa em nossas vidas. Esperamos que ela nos traga alegria e felicidade, e isso é uma falsidade. Isso nunca vai acontecer. Neste filme, você testemunha isso através da jornada dessa mulher. Espero que as pessoas aceitem e apliquem isso em suas próprias vidas, estejam elas em um relacionamento ou não. O relacionamento mais importante que você pode cultivar é consigo mesmo. Anseio pela sinceridade da presença que tivemos em nosso filme.

STAN: Como é essa sinceridade da presença no set de Big Little Lies?

WOODLEY: Você está tentando me pegar aqui? Trabalhar com Meryl [Streep] foi absolutamente fascinante, porque ela de alguma forma domina a arte da atuação, de conhecer todos os aspectos sobre sua personagem, além de casar isso com uma presença completa e absoluta, que é uma habilidade que eu ainda não tenho. Nicole [Kidman] é muito parecida. Elas sabem por dentro e por fora quem são seus personagens. Isso deve vir da experiência. Quando você trabalha com pessoas que são melhores que você ou que admira, você se comporta diferente no set. E eu tenho que dizer, eu simplesmente amo trabalhar com profissionais. Se você é alguém que esteve em um set de filmagem ou você é Meryl Steep, isso não importa para mim. O que importa é o seu senso de adoração e paixão pelo ofício de atuar. Fico frustrada quando trabalho com pessoas que parecem não gostar do presente que recebemos como atores de poder nos expressar dessa maneira. Acabei de trabalhar com Jodie Foster e não há ninguém neste planeta como ela.

STAN: Como foi isso?

WOODLEY: Essa mulher restaurou minha fé nesta indústria simplesmente por ser quem ela é. Ela abriu seu próprio caminho desde o começo. Você sabe muito pouco sobre a vida pessoal de Jodie Foster, sobre quem ela é como ser humano e, no entanto, se sente tão ligada à ela em todos os filmes que ela faz, porque ela dá tudo de si. Ela está dissecando um filme de todas as perspectivas. As lentes de um diretor, as lentes de um produtor, as lentes de um diretor de arte, as lentes de um designer de produção, as lentes de uma atriz. Meryl é da mesma maneira. Isso me inspirou a trabalhar mais do que já trabalhei antes e também a não dar a mínima.