SFX Magazine – Se tem uma coisa que você pode ter certeza sobre a Marvel Studios, é que ela sempre está 10 passos a frente de seu público. Isso não é fácil, considerando que ela fez seis dos 20 filmes mais lucrativos da história, seu fandom inclui mais de 3 milhões de seguidores nas redes sociais e iniciou uma legião de pessoas tentando descobrir spoilers sobre títulos futuros. Ainda assim, a maioria dos segredos continuam trancados, mantendo a surpresa e animação. O caso da vez: quando Kevin Feige anunciou os planos para a quarta fase do MCU, durante a Comic Con 2019, e incluiu pela primeira vez histórias em formato de seriado exclusivas para o Disney+, o estúdio já tinha desenvolvido tudo desde 2018, incluindo WandaVision e The Falcon and The Winter Soldier.
Conhecendo o valor de seus personagens secundários em Vingadores, Feige e o time de criativos viram o Disney+ como uma oportunidade para finalmente focar a atenção nas histórias que os filmes não puderam se aprofundar; The Falcon and The Winter Soldier, uma série em seis episódios, honrará uma exploração mais profunda no bastão que foi repassado no fim de Ultimato: onde Steve Rogers entrega seu escudo para Sam Wilson e um reabilitado Bucky Barnes – e o que esses dois farão com isso a seguir.
Primeiramente desenvolvida pelo produtor executido de Soldado Invernal e Guerra Civil, Nate Moore e seu co-produtor Zoie Nagelhout, a série sempre visou ser uma parceria entre Sam e Bucky, onde os dois teriam espaço para explorar quem eles são e quem querem ser, sem Steve Rogers diretamente influenciando seus destinos. Debaixo de um véu de segredos, a Marvel contratou roteiristas, alguns já no radar como Malcolm Spellman, que já havia conversadocom Spellman sobre um potencial roteiro para Deathlok, que nunca aconteceu. “Eu não vou falar de nenhum projeto se eu não tiver conexão com ele. Quando este (FATWS) chegou, eu entrei de cabeça,” Spellman diz com animação, em uma chamada de Zoom de seu escritório em LA. Com seus 20 anos de experiência em filme e televisão, em séries como Empire, e seu amor pelos personagens, ele sabia que ele era a pessoa para esse desafio.
“Eles queriam fazer uma parceria entre amigos, e isso foi um dos motivos de eu entrar em Hollywood. Eu amo eles em todos os espectros. E a Marvel sente o cheiro disso com muita eficácia.” Spellman conta. “Eles sabiam que eu tinha os métodos de escrita, certo? Mas mais importante, ter um homem negro confrontando sobre aceitar ou não o escudo, esse foi o motivo de eu querer tanto essa história.”
Enquanto as relações de raça na América chegaram em pontos críticos em 2020, engajando uma conversa global, todas as pessoas de cor nos EUA tem a dolorosa vivência dos problemas que aparecem mesmo quando se trata de algo alegre como Sam recebendo o escudo; Spellman estava entusiasmado em desenvolver a realidade Americana no contexto da decisão de Sam sobre o manto que recebeu. Ele diz, sobre os protetos do Black Lives Matter do ano passado: “É engraçado que se alguém me perguntasse ‘em um milhão de anos, você poderia prever o que aconteceu?’ eu simplesmente diria ‘sim, pois eu sou negro’.” ele explica. “Somos unicamente qualificados para diagnosticar o que acontece nesse país, e para onde estamos indo. E Nate é negro, e um dos mais antigos executivos sênior, então ele foi o parceiro perfeito pra mim.”
O que ficou aparente na produção da série é o paralelo potente entre a realidade da pandemia do Covid-19 e o “Blip” do MCU, que viu metade da população universal ser extinta, retornando apenas 5 anos depois. Spellman diz que o fato da humanidade estar vivendo um estado extenso de estagnação tornou a narrativa da série mais direta.
“Não existe como esconder o fato das 4 bilhões de pessoas que sumiram no MCU e voltaram; nossa série parte desse ponto, e toca diretamente em como o mundo se sente quando o fluxo volta e com o problema unânime global. Quando a pandemia atingiu o planeta inteiro e tivemos que nos juntar para lidar com ela, a sinergia foi perfeita.” ele continua: “A mesma coisa com os problemas de um homem negro enfrentar aquele escudo; as histórias estão aí. Estiveram na nossa cara para sempre. Não dá pra evitar, e a Marvel não as evita. Eles só pedem pra não deixar isso abafar a narrativa; deixe que ela seja energética, divertida e grandiosa, e junto com isso, seja honesto e verdadeiro.”
O parceiro da Spellman, Kari Skogland (Handmaid’s Tale), que foi trazida logo após a contratação dos escritores para que ela se integrasse com eles logo no início da construção da série. “O que foi ótimo sobre ser chamada para a sala dos escritores e ser acolhida é que eu fiquei muito familiar com a essência da série, que é um modelo de parceria,” Skogland conta ao SFX. “Isso foi novo na TV, que geralmente separa os setores. Normalmente, eu e Malcolm só entraríamos em ação mais tarde, mas devido ao tempo, Kevin disse para entrarmos logo. Fui parte de toda a máquina de construção, o que ajudou muito porque assim sabíamos o que era o mundo que estávamos tentando trazer a vida em uma escala de 6 horas. Estávamos alinhados na história que queríamos contar. Meu mantra sempre é ‘Temos que estar todos fazendo o mesmo filme’.”
Sem ter que interpretar os scripts lendo por fora, Skogland foi capaz de focar intensamente na performance com Mackie e Stan, e pensar sobre temas maiores como a questão racial com mais nuances; “O mundo mudou enquanto nós gravávamos; já tínhamos definido que a história seria relevante, então o DNA estava ali. E eu acho que tem uma importância em ser totalmente empático da nossa parte, em acertar o tom. Ter as conversas difíceis, algo que amo sobre a Marvel. Eles envolvem a mesma ideia e não fogem das coisas difíceis.”
Quando perguntamos sobre personagens específicos como Zemo e Sharon Carter, ou adições como John Walker/Agente Americano, e como eles entrarão nos tópicos que o show confrontará, Spellman e Skogland são recatados. Mas Spellman admite que houve um processo intenso de ganhar e perder personagens, pelo bem maior do MCU. “Meu personagem favorito da série, nós quase perdemos,” ele revela. “E até chegamos a perder por um pequeno momento. Mas então Kevin, Nate e Zoie trabalharam em algo que o fez voltar.”
O que os dois anseiam é em mostrar o crescimento da amizade entre os personagens de Mackie e Stan. Skogland revela que inicialmnte eles usaram entrevistas que os dois atores fizeram nas divulgações de filmes, já que eles constantemente eram juntados por causa de sua amizade e sintonia, para ajudar a desenrolar o tom e química da série.
“Nós não os conhecíamos, então era uma escrita no escuro e torcer para que desse certo. Eles são amigos na vida real, e nós pudemos usar isso na série, o que ajudou demais.” A relação entre os dois ficou ainda mais próxima durante as filmagens, e eles foram muito colaborativos na construção de cenas e diálogo. “Eles já tinham escrito mitologias e backstories completas, com dimensões psicológicas e emocionais desses 2 personagens, que eles nos mostraram,” Spellman se anima. “E agora, em 6 horas, nós trazemos isso à vida. Sebastian é excelente em mostrar o trauma que Bucky carrega nos momentos de silêncio, já que Bucky saiu de uma guerra para a outra. E existe um momento enorme para Sam, algo tipo ‘faça ou quebre’.”
“Fiquei com Anthony durante horas desenvolvendo esse momento, fala por fala, em uma colaboração muito positiva. Quando é assim, não há nada melhor, porque o MCU se torna real como o nosso mundo. Como Anthony sabe o que seu personagem fará no mundo real, ele passa a verdade do que nós criamos e você sente isso. Ele arrasou.”
Confira as entrevistas de Sebastian e Anthony para a revista:
Sebastian Stan é Bucky Barnes / O Soldado Invernal
Depois de Ultimato, como você se sentiu no geral sobre continuar no MCU?
O final de Ultimato foi meio estranho e emocional. Na época era o 10º aniversário do MCU, então tudo pareceu ser um fim, mesmo que nós sabíamos que provavelmente haveria mais daquilo. Mas foi ótimo poder ter uma discussão sobre o futuro.
Quem na Marvel Studios apresentou a idéia da série primeiro para vocês?
Eu me sentei com Kevin [Feige] de primeira. E então com Nate Moore, com quem eu havia feito Guerra Civil e Soldado Invernal, e tive uma experiência inacreditável. Eu acho que estava um pouco nervoso, porque parte de mim pareceu como “eu nem tenho certeza do que ainda há para ser explorado com o personagem”. Mas nós descobrimos muito mais. E eu sinto como se o personagem estivesse agora aparecendo de uma maneira diferente, mais profunda e mais complexa do que nós os vimos até agora. Eu pensei que já tivesse explorado a maneira como o personagem é o suficiente, mas na verdade nós só arranhamos a superfície. O que nós pudemos fazer com ele nessa série é em um nível muito mais profundo e emotivo, e nós não tivemos essa oportunidade antes.
Quem são Sam e Bucky um para o outro nessa série?
Os dois desprezam um ao outro igualmente! [risos] Quero dizer, há uma verdade nisso. Mas também é uma descoberta para os dois notar que eles têm muito mais em comum do que pensavam. Eles chegam ali vindos de lugares diferentes. Mas essencialmente, eles são duas pessoas tentando encontrar sua nova identidade, e que não esteja ligada a Steve Rogers. Steve Rogers é muito mais o catalisador, o evento que dispara a bomba onde os dois param e pensam, “Ok, isso aconteceu. Agora eu tenho que lidar com isso.”. Eu penso que é sobre eles perceberem que precisam muito mais um do outro do que querem aceitar.
Sem o Steve para se apoiar, no que o Bucky está focado agora?
Ele está num momento como uma reeducação de tudo. Ele está aprendendo muito sobre Sam, e ele também está aprendendo sobre o mundo, porque é um universo muito diferente do que no último no qual ele foi “James Bucky Barnes” nos anos 50. Ele sempre teve que lidar com uma sombra o seguindo. Agora é mais uma questão de, como ele absorve o que aprendeu e aplica aquilo a si mesmo, seguindo adiante? Como você funciona em pleno 2021, sabendo o que ele sabe e passando pelo que ele passou? E também, como você faz isso sem alguém que que era um irmão ao lado dele, que era um pilar para sua força, para familiaridade? Você tira dele sua última zona de conforto – o que ele tem agora? É sobre isso que é a série para ele.
Por qual motivo você acha que o Bucky foi capaz de ganhar a simpatia de fãs com sua história sombria?
Ele pareceu muito mais atingível e relacionável do que os outros personagens, talvez por causa dos arcs tentando lidar com seu passado, ou superar alguns traumas, ou Transtorno de Stress Pós-Traumático. E esse nível de se reencontrar, se redefinir, sua moral, seus valores, quem você é, no que você acredita, os desafios que você tem – em termos de aceitar o mundo de uma certa maneira – entender que talvez como você cresceu e o que você aprendeu pode não te ajudar sempre a encontrar o seu caminho. Você talvez terá que ir contra as coisas as quais você estava acostumado. Essas todas são coisas sobre esse personagem que são muito interessantes.
Anthony Mackie é Sam Wilson/Falcão
Você admitiu que de início não estava muito de acordo com a ideia de fazer uma série do MCU. Por quê?
Para ser honesto, eu estava ansioso desde o começo. Eu estava realmente com medo da ideia. Trabalhar em tantos projetos da Marvel, e ver o resultado final e o efeito que eles têm sobre as pessoas, eu tinha receio sobre a qualidade da produção ser diminuída para a TV. Eu tinha receio de que você não poderia fazer coisas na TV que poderia fazer nos cinemas.
Vendo a reação das pessoas sobre Guerra Infinita e Ultimato, e vendo a conexão que as pessoas tinham com esses personagens… esse é o sonho de qualquer ator, impactar um público e expor eles a um modo diferente de enxergar a cultura e o mundo ao nosso redor. Eu tinha bastante medo de que eu não teria essa oportunidade de não poder atingir esse nível como os atores antes de mim fizeram.
Mas uma vez que conversamos, e quando eles trouxeram Malcolm e Kari, eu sabia que seria algo diferente. Kari é uma líder fenomenal, e Malcolm um roteirista incrível. E Kevin [Feige] me prometeu que não seria diferente. Ele não iria manchar a marca da Marvel tentando apenas lançar a maior quantidade de conteúdo que ele poderia. E eu confiei nele com isso. Eles ainda não me desapontaram, então eu apenas segui o fluxo com fé no trabalho que já foi feito. E eu fiquei muito feliz e surpreso com o quão bom tudo ficou no final.
Steve era uma parte integral da vida de ambos Sam e Bucky. Como a série explora sua ausência?
Com o Sam e o Bucky, a ideia de ter perdido o Steve assombra o dia-a-dia deles. O Capitão América – não apenas o título, mas a pessoa – era uma grande influência sobre eles. A ideia de que o título não era tão importante quanto a pessoa que eles perderam. O foco principal deles é honrar Steve, porque ele os deixou com a tarefa gigante de continuar de onde ele parou. Apenas o peso do escudo sem o Steve nos leva a acreditar que talvez não haverá outro Capitão América. Nunca haverá outro Steve Rogers, então para os dois, a idéia do título de Capitão América é mais um fardo do que uma bênção. Eles realmente tentam e permitem que isso seja uma influência no legado que ele deixou, e como eles podem deixar esse legado vivo e apoiá-lo – enquanto também sentem sua falta e estão muito tristes que ele não está mais aqui.
Nós veremos mais da vida normal do Sam?
Nós podemos vê-los mais em seus ambientes, sua vida pessoal, com pessoas que influenciam suas vidas no dia-a-dia: parentes, amigos, colegas de trabalho. Você tem um pouco disso com Sam quando Steve foi aos Veteranos Anônimos quando eles se conheceram. Mas agora você realmente pode ver ele de lá pra cá e onde ele se encaixa exatamente no seu dia-a-dia, ao contrário de ver ele apenas esperando o Cap chamá-lo. Esse foi um dos maiores passos que Nate e Kevin deram que realmente me intrigou e me animou sobre essa história.
Explorando a grande escolha de Sam no que se trata de assumir o manto do Cap que envolve tantas questões da vida real, incluindo raça. Malcolm foi um parceiro que conseguiu converter isso?
Sabe, não foi apenas eu e Malcolm. O que foi muito interessante foi que Kari [Skogland] e Zoie [Nagelhout] foram muito vocais sobre a idéia de quem esse homem era, o que ele significaria para a sociedade para a qual nós estávamos o apresentando. É engraçado, por a Kari ser uma mulher branca canadense e Zoie uma mulher branca americana, elas tinham pontos fortes de opinião e maneiras interessantes de enxergar esse personagem de uma forma muito mais agressiva do que eu poderia ter imaginado. Suas perspectivas e coragem, como duas mulheres no comando, em mostrar a situação na qual esse personagem estava sendo empurrado no mundo em que ele vivia, foi muito humilde. Eu sempre me senti apoiado. Sempre senti que havia pessoas ao meu redor que estavam prestando atenção no que estávamos dizendo como uma série.